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Carta ao pessimista

  • Marcelo Candido Madeira
  • 26 de fev. de 2017
  • 3 min de leitura

Caro pessimista,



Eu compreendo a sua aflição. Compartilho a sua dor e a ela devo minhas condolências. Não pretendo aqui expor nenhum sermão ou julgamento, porque sei que os desprezaria. Minha intenção é mostrar-me solidário a sua dor e indignação. Tenho por você, meu caro pessimista, a mais profunda admiração por não andar de mãos dadas com o cinismo e repudiar sempre com a mesma veemência a hipocrisia.


Você nunca depositou falsas esperanças aos mais necessitados e jamais entregaria o peixe aos famintos, e sim, a vara de pescar. Assim sendo, meu caro, permita-me que eu lhe sopre aos seus ouvidos: A vida, apesar dos pesares, vale a pena de ser vivida.


O mundo anda de mal a pior e não lhe peço que o aceite sem ressalvas. Mas, pior estaria se não existisse a categoria dos inconformados, da qual, eu e você fazemos parte. Admiro quem não se contenta em ver o sofrimento alheio, abandonado às escuras nas mãos de Deus. Devemos lançar os olhos para o longe, mas, sem perder de vista o nosso próximo. Conheci pessoas que não tinham inimigos e logo desconfiei de sua falsidade. Se eu pudesse escolher entre o pessimista, que ao cavar profundos sulcos de tristeza estanca-se em jardins inóspitos ou o alegre otimista embriagado de felicidade efêmera e parasita, eu preferiria o primeiro, por acreditar que o otimista é, no fundo, um mal informado.


Porém, como homem livre que sou - a liberdade ainda que utópica – tenho que pesar minha decisão e isso é tarefa para homens equilibrados, pois a balança parece ser viciada e insiste em inclinar-se para os horrores do mundo.


Assim como, toda forma de brutalidade é proveniente de situações extremas, insisto em ver a vida como ela é, e não como ela nos parece ser. Pois, em cada um de nós habita qualquer porção de otimismo e pessimismo, e até mesmo, o mais otimista de todos pode ter momentos pessimistas e vice-versa. O mais sensato nestes casos, então, é ser realista.


Tal qual o pessimista, o realista está sozinho, mas, ao contrário do pessimista, o realista ama e cultiva a solidão, por que é a partir dela que se cria. E lamento dizer-lhe, meu caro pessimista, o realista não pode mudar o mundo, mas, pode sim, alimentar o processo de transformação. E não há palavra mais em voga e necessária que a transformação - a transformação dos valores. Muitas crises assolam o mundo, mas, nenhuma tão cruel e avassaladora quanto a crise dos valores. Hoje em dia, perdemos a noção do exato valor das coisas. Assistimos pasmos a um fenômeno cada vez mais natural em nossa sociedade: a “Coisificação”. Tudo passa a ser coisa, em vitrines televisivas homens e mulheres sujeitam-se a exposição mais vil, a exploração do trabalho alheio, a louvação exacerbada ao consumo, a arte depreciada no mercado, a vida humana por um par de tênis. Conceitos como democracia e direitos humanos servem de pretexto para iniciar uma guerra, ou várias delas. A noção de estética toma proporções monstruosas em formas variadas de silicone e botox.


Por essa e por outras, meu caro pessimista, não se altere quando o chamarem de louco ou vindo de outro planeta, por mais que você, às vezes, sinta-se como tal. Deixe as ofensas e as calúnias baterem como ondas à beira do mar, que mesmo em águas profundas, alcançariam no máximo o seu umbigo, tamanha sua altura, se tiver olhos realistas. Esteja acima daqueles que o oprimem e nascerá sua pujança como a flor que nasce por debaixo da neve que insiste em avançar a primavera. E assim, nascerá sua afeição pela vida.


Enalteço sua decisão ao repudiar o otimismo exultante que turva a vista e ofusca o raciocínio. Mas, devo confessar-lhe, meu caro, apesar de ambos sermos inconformados, eu sou um realista. E aí está a nossa diferença. Enquanto o otimista, de braços erguidos ao céu, espera que o vento mude, o pessimista só faz se queixar da ventania que sacode o tombadilho. No entanto, é o realista, meu caro, é o realista que conhecendo as zombarias do vento, ajusta as velas e retoma o rumo da embarcação.


Portanto, com estas palavras me despeço, pois já não tenho intenção de tomar-lhe o tempo, tempo este que se arrasta como grilhões em seus pés. Já se faz tarde e pelo adiantado da hora, não lhe peço que reflita minhas palavras, apenas lhe peço, meu sincero amigo, que saiba que a vida, apesar dos seus pesares, apesar de todos os males, vale a pena de ser vivida.

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 O Autor 

 

 

Sagitariano, publicitário, escritor músico, alfabetizador, assistente social e Mestre Reiki . 

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