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O jantar de Europa

  • Marcelo Candido Madeira
  • 22 de set. de 2016
  • 7 min de leitura

O cuco pendurado na parede já batia as sete badaladas quando, apressada, a Inglesa entrava na sala de jantar repleta de esculturas e quadros de artistas renomados do século XVIII e XIX. O ambiente era muito chique e a decoração fazia o estilo clássico. Sentada à mesa, junto à cabeceira, já estava Europa, uma mulher vistosa, esguia e muito elegante. A mesma que em tempos atrás Zeus se apaixonara e com a aparência de um touro, a raptara pra ilha de Creta criando assim um mal estar diplomático em toda a Grécia da época. A Inglesa ensaiou desculpar–se pelo atraso, mas reparou que fora a primeira a chegar. Com muita delicadeza, puxou uma das cadeiras de estofados vermelhos e sentou-se. Logo em seguida chegou a Suíça, sorridente e simpática, cumprimentou-as limpando os sapatos num capacho junto à porta. A anfitriã ofereceu–as uma bebida deixando-as mais à vontade. E lhes fez as saudações:


– Puxa, que bom, vocês sempre foram as mais pontuais de nós todas. Tenho muita satisfação em recebe-las novamente em meus aposentos. Espero que tenham uma noite muito agradável.


– O prazer é todo nosso – disse a Suíça.


– Com muita satisfação – completou a Inglesa.


A essa altura chegava mais duas convidadas; a Espanhola e a Portuguesa. A primeira chega meio espalhafatosa e já vinha emendada numa discussão. A Portuguesa quietinha só a escutava. Demorou um pouco para Espanhola perceber que haviam chegado à sala e se recompondo, põe-se a fazer galanteios a anfitriã. A Portuguesa ainda tímida procurava seu lugar de praxe com sorrisos encabulados.


– Fiquem todas à vontade – disse Europa. – Logo, logo chegarão as outras companheiras.


E mesmo antes de terminar a frase entram as duas colegas; a Austríaca e a Alemã. Depositam seus casacos num cabide perto da porta e cumprimentam todas as presentes. Em seguida chegam a Polonesa, a Belga, a Dinamarquesa, a Francesa e a Norueguesa. Todas vão tomando seus lugares. Já são quase sete e quinze da noite quando a Italiana chega esbaforida se desculpando, pois o trânsito estava um inferno, dizia.


As sete e meia em ponto todas já se encontravam na sala de jantar e Europa, com a colher, dá três pequenos toques no cálice sobre a mesa:


– Queridas, antes de servir o jantar, gostaria de agradecer a presença de todas vocês. Pena que nem todas puderam comparecer, mas creio que poderemos desfrutar desta noite de inverno e debater alguns assuntos que julgo importante. Este encontro não é um encontro oficial, será apenas um jantar informal onde teremos a oportunidade de estreitar nossos laços. Como todas sabem estamos em via de construir o nosso mais ambicioso projeto: a Comunidade Européia. E para tal contamos com a participação de todas vocês, habitantes do nosso querido e velho continente.


“Abrimos a noite de hoje com um aperitivo de batidas de frutas vindas de diversos paises exóticos do hemisfério sul e em seguida daremos início ao jantar. Tenham uma boa noite e fiquem à vontade”.

Concluído o discurso de boas vindas todas aplaudiram a anfitriã e puseram-se a conversar com suas vizinhas e os comentários surgiam de toda a parte:


– Ai, adoro quando ela faz esses encontros espontâneos – disse a Espanhola.


– Eu não perco nenhum – disse a Inglesa.


– Puxa, você até que pegou uma corzinha – comentou a Belga.


– Não meu bem, isso é bronzeamento artificial – respondeu a Norueguesa.


– Diga–me? – perguntou a alemã dirigindo-se a Austríaca.


– Você ainda continua praticando equitação?


– Sim, com muito gosto e você, querida? Como tem aproveitado o tempo?


– É verdade que durante a guerra fria andei meio dividida, mas agora estou de corpo e alma para o nosso novo projeto e creio que possamos desempenhar uma liderança importante para todo o continente.


– De fato – interveio a Francesa com gestos elegantes – eu também estou motivada com os novos rumos do nosso continente. – E todas acenaram com a cabeça e ela completou: – E como já disse antes nossa amiga Alemã, eu também acho que temos uma responsabilidade muito grande em encaminhar o futuro de nossos conterrâneos.


E no meio de tão calorosa discussão, eis que se intromete a Italiana:


– Ah?... Alguém sabe me dizer qual será o cardápio de hoje a noite?


Já avançavam das oito horas e a anfitriã propôs um brinde:


– À democracia e à abertura de nossas fronteiras!


E todas se olhando nos olhos tilintaram seus copos.


– Viva a Comunidade Européia!


– Ah! Eu estou muito contente com esta idéia – se empolgou a Austríaca. – Agora, passo as minhas férias em Portugal que é um lugar muito agradável à beira mar e com temperaturas bem amenas.


– É verdade, e com esta estória da moeda única ficou tudo mais fácil – disse a Francesa.


– Pois é – comentou a Espanhola. – Acabou aquela novela de ficar fazendo contas e conversões, aquilo era um terror e inibia a ida às compras.


– Eu, na verdade ainda acho um bocado complicado pensar em Euros, prefiro pensar em Escudos, queixou-se a Portuguesa.


– Minhas caras amigas, penso que agora poderemos servir o jantar.


E tocando uma sineta pousada na mesa, Europa fez entrar dois garçons com fisionomias indianas trajando uniformes brancos com abotoaduras douradas e que delicadamente serviram às convidadas.


– Uau! Adoro comida tailandesa! – empolgou-se a Suíça.


– Ó pá, cuidado com a pimenta – alertou a Portuguesa.


– Minha gente, pimenta é comigo mesmo – anunciou a Espanhola.


– Ah, sim, todas nós no fundo apreciamos uma boa especiaria – disse a Alemã.


– Fizemos muito bem em introduzir essas iguarias em nosso amável continente – comentou a Inglesa.


– Tudo ficou mais fácil graças à coragem e determinação de nossa amiga Portuguesa – concluiu animada a Norueguesa.


– Hei, alto lá, menos pessoal, menos! – interrompeu a Espanhola. – Eu também tive que enfrentar mares desconhecidos enquanto todas vocês me infernizavam com estórias de monstros marinhos, serpentes e abismos no fim do mundo.


A gargalhada foi geral.


– É verdade, como éramos tolas – concordou a francesa.


– Temos que admitir que quem nos encorajou foi nossa tão estimada amiga Turca que na época fechou nossa passagem em direção ao oriente, terras das especiarias e tantas maravilhas.


– De fato, foi uma época complicada, mas já superada – concluiu a Portuguesa.


– Sim, vocês têm razão – disse Europa. – E foi bom que vocês lembraram esta estória porque a questão que eu gostaria de abordar tem a ver com este assunto.


“Queremos expandir nossas fronteiras e assim amadurecer ainda mais o nosso projeto de democracia, liberdade e mercados livres por todo nosso bom e velho continente. Dentro em breve, contaremos com mais parcerias e amigas sócias nessa empreitada. Como todas sabem, já oficializamos o convite a nossa estimada e ancestral companheira e amiga Turca para que ela possa em poucos anos fazer parte da nossa comunidade. Creio que seria de enorme valor para todas nós tal investimento”. E logo Europa terminara a frase, a Alemã se opôs:


– Eu não concordo.


– E por que não? – surpreendeu-se a Polonesa.


– Por quê? Porque não.


– Talvez nossa amiga Alemã queira dizer que nossa amiga Turca não pertença por inteiro ao continente europeu, já que grande parte de seu território pertence à Ásia – ponderou a Austríaca.


– Sim, todas nós sabemos que se comparada a grande ex-tensão de seu território, a parte européia é apenas uma pequena porção – concordou a francesa.


E todas acenaram a cabeça e cochicharam umas com as outras.


– O grande fato é que – interrompeu a Inglesa – a inserção de nossa estimada amiga Turca a nossa casa significaria um grande alargamento de nossas fronteiras e grandes chances comerciais.


– Sim, tendo em vista que nossa amiga Turca expande cada vez mais seus negócios... – animou–se a Polonesa.


– Não se pode dizer que ela está bem de vida, mas tem um grande futuro essa menina – disse a Francesa.


– Ora, e quem de nós pode dizer que está bem de vida? – perguntou a Italiana com certa indignação.

– É por essas e por outras que precisamos estar unidas – disse a Belga que até então estava no seu canto calada.


E houve mais cochichos... E a Espanhola com seu jeito espalhafatoso rematou:


– Hei, pessoal quem sabe não é essa a grande oportunidade que tanto esperávamos de ter enfim, com uma canetada, o acesso às maravilhas do oriente.


– Ora, não seja ingênua querida – cortou mal humorada a Alemã.


– De qualquer forma, esta noite, não resolveremos nada e nem é a ocasião mais apropriada – disse Europa acalmando os ânimos. – Quero aproveitar a oportunidade e oferecer um brinde a nossa nova parceira, nossa amiga Polonesa, recém chegada à comunidade européia.


– Saúde e prosperidade!


– Bem–vinda!


– Façamos um brinde também a nossa futura parceira Suíça que mais cedo ou mais tarde há de entrar para a Comunidade!


- Um brinde ao nosso futuro em comum! – empolgou-se a Espanhola.


– Sim, minha querida Suíça, por que permanecer tão indecisa se nossa união só traz benefícios a nós todas? – surpreendeu-se a Alemã.


– É que depois de tanto tempo, eu, sendo neutra nas questões mundiais, me sinto um pouco insegura com todas essas novas propostas colocadas por vocês minhas amigas. Sinto que ainda é um pouco cedo pra tomar decisões tão sérias. – E levantando a cabeça por um momento abaixada, continuou: – E afinal de contas se permaneci assim durante toda minha vida porque mudar agora?


– Ah, minha querida acho muito louvável sua posição e até compreensível, mas acho que o motivo é outro – interpelou a Espanhola.


– Que outro motivo poderia ser? – perguntou a Austríaca.


– Acho que ela esta escondendo o ouro!


– Ora, querida Espanhola, não seja assim tão rude – indignou-se a Francesa.


– Nossa amiga Suíça merece todo o nosso respeito – concordou a Alemã.


– Aposto que ela não quer é abrir mão do sigilo bancário de suas contas! – retrucou a Espanhola.

– E ela tem todo o direto de não fazê-lo – concordou a Dinamarquesa.


– Realmente, se ela pretende ingressar em nossa comunidade, ela precisaria, sim, abdicar do sigilo de suas contas bancárias – ponderou a Inglesa, – mas caso não faça, poderemos seguir estabelecendo acordos bilaterais que seria de enorme valia a nós todas.


– Olha, com todo meu respeito – intrometeu-se a Italiana – no fundo, eu acho que não é só a Suíça que se interessa no sigilo bancário...


Tlim, tlim, tlim, com três batidinhas com a colher no cálice Europa anuncia:


– Já posso ver que vocês todas terminaram de jantar, então podemos passar à sobremesa.


Nesse mesmo instante a porta se abre e uma rajada de vento frio invade a sala. Todas se assustaram e permaneceram estáticas. Quando de um vulto, surge uma figura imponente, uma mulher, bem afeiçoada, loira, com lábios carnudos, formosos seios, de salto alto, trajando um enorme casaco de pele com um resto de neve ainda pelos ombros. Ela se aproxima da mesa, põe as mãos na cintura e diz num tom arrogante:


– Quem ousou em fazer esta reunião e não me convidou? Pois saibam que todos os assuntos do mundo me interessam. E pra quem não me conhece... Eu me chamo América!




O conto “O jantar de Europa” foi publicado em 25/11/04 na revista Via Brasil na Suíça – edição número 16/04.


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 O Autor 

 

 

Sagitariano, publicitário, escritor músico, alfabetizador, assistente social e Mestre Reiki . 

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