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Tanque cheio

  • Marcelo Candido Madeira
  • 22 de out. de 2015
  • 2 min de leitura

O trânsito desta cidade está cada vez pior. Já faz vinte minutos e não saio do lugar. Com pessoas estressadas ao meu redor, o melhor é ignorar o buzinaço e manter a calma. Mas o que mais me deixa injuriado é o fato de todos me olharem com indignação e surpresa. Pudera. Sou um negro, bem vestido, conduzindo um Honda Civic. E para muitos isso já é motivo de estranhamento.


Depois de tanto tempo em marcha lenta, o ponteiro da gasolina estava na reserva. Resolvo então, parar num posto a poucos metros adiante, e logo ao chegar, reparo que o mesmo posto que outrora abastecia meu carro parece um pouco modificado e perguntei ao frentista:

– Boa tarde, este posto não é mais self-service?

– Ah, não! Desde semana passada que não é mais. Tivemos que mudar.

– E por que?

– Não deu certo. O movimento caiu. As pessoas não se habituaram ao novo sistema. É assim mesmo, o brasileiro gosta de ser servido. O que vai ser?

– Completa, por favor! – respondi dando-lhe a chave.

– Pois não. – E tirando a mangueira do gatilho emendou a maldita pergunta que tanto me perseguia: – Você? É jogador de futebol? Não é?

Foi sempre assim, ao me verem bem vestido num carro de marca sempre vinham as perguntas mais estapafúrdias, do tipo, “O senhor é pagodeiro?” Ou então; “É algum atleta, maratonista ou corredor dos cem metros rasos?”

Eu respondo sempre educadamente, pois já houve casos em que o rapaz, vendo meu silêncio, extrapolou:

– Ah! Já sei! O senhor é americano! Não fala português!

Essas situações já faziam parte do meu cotidiano. Tanque cheio, então eu perguntei ao frentista onde poderia checar o óleo e ele me indicou uma vaga mais a frente.

Chegando lá, um senhor me recebeu e tratou de examinar o carro. Constatando que realmente era preciso trocar o óleo, começou o serviço.

Eu fiquei ali perto e ele engatou uma conversa, sempre muito simpático, falando de futebol, política e, orgulhoso, mostrou–me as fotos das filhas e coisa e tal.

Tanta gentileza e eu já estava absorto na conversa e feliz pelo fato de o tal senhor não haver mencionado nenhuma daquelas perguntas que tanto me irritavam. Mas demorou pouco.

– Acabou? Quanto é? – perguntei.

– Ah! Pro senhor eu faço um preço camarada... É por que eu te conheço.

– Me conhece?

– Sim, o senhor é um dos finalistas do Big Brother!

E voltei pra casa com a certeza que aquele dia fora igual a tantos outros que já passei.

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 O Autor 

 

 

Sagitariano, publicitário, escritor músico, alfabetizador, assistente social e Mestre Reiki . 

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