Batidinha no pára-choque
- Marcelo Candido Madeira
- 16 de set. de 2015
- 2 min de leitura

– Av. Marginal sentido João Caetano, devido a um acidente de caminhões, está completamente congestionada. O motorista deve evitar o local.
O aviso do rádio não me era mais útil. Eu já estava no meio do engarrafamento. Ilhado por carros, tão espremido que eu não poderia nem abrir a porta. E as notícias catastróficas sobre o congestionamento me entediavam ainda mais. Procurei me distrair pensando na vida. E absorto me lembrava que foi num trânsito como este que conheci Cristina.
Foi um incidente à toa. Distraidamente meu carro se chocou de leve em seu pára-choque traseiro. Ela, preocupada, saltou do carro, mas nada de grave ocorrera, apenas uma pequena colisão que precisava de reparos. Indiquei-lhe um mecânico de minha confiança e trocamos telefones. Depois de alguns encontros para tratar do conserto do carro, convidei-a para jantar. Ficamos amigos, criamos um círculo de amizades em comum e freqüentamos festas. Nosso primeiro beijo foi num cinema do shopping e logo começamos a namorar. Estudamos na mesma faculdade de direito e ao terminá-la nos casamos. Ingressei na vida jurídica e até desisti de ser escritor de romances policiais. Ela se especializou em direito tributário, mas sempre cultivou o sonho de ser pintora. Tivemos nossa primeira filha, Thaís e nos mudamos pro centro da cidade. Ainda me recordo como se fosse ontem meu nervosismo no corredor do hospital. Nossos amigos e familiares compareceram em peso e fizemos muita festa. Depois de dois anos veio o garoto, Eduardo. E mais festa e mais charutos.
Tínhamos o hábito de viajarmos todo final de semana à casa de campo dos pais de Cristina. Nos distraíamos muito e recompúnhamos a energia perdida durante a semana de estresse no escritório. Seus pais, meus sogros, sempre foram muito amáveis conosco e nos ajudaram muito na educação das crianças. E Cristina ainda gosta da vida no campo.
Sempre fomos muito felizes, nossos filhos tiveram uma boa infância e nunca nos deram tanto trabalho assim, mesmo na fase mais crítica da adolescência foram ajuizados e sempre estiveram ao nosso lado como companheiros. Thaís passou um tempo com a cabeça virada por um namoradinho que eu não gostava, mas com o tempo, a aventura se mostrou ser passageira. Hoje eles já estão na faculdade, ela estuda jornalismo e Eduardo pretende ser veterinário.
Minha relação com Cristina sempre foi franca e muito amigável. Desde o começo do namoro ajudávamos um ao outro nos deveres da faculdade e mais tarde nos afazeres profissionais. Ela sempre foi uma boa companheira e uma mãe dedicada. Nosso casamento terminou de uma forma tão doce e delicada que até hoje temos, um pelo outro, muito carinho. Nossos filhos já criados compreendem e nos apóiam. Quando posso, procuro passar o máximo de tempo junto de minha família. Volta e meia, ainda vamos à casa de campo dos meus ex-sogros.
Cristina, depois da separação, rejuvenesceu e deu asas ao seu sonho de voltar a pintar a óleo e acrílico. Até hoje não me senti motivado a escrever meu tão sonhado romance policial. Quem sabe um dia o escreva. E, aliás, nem sei porque cargas d’água estou revivendo tudo isso. Talvez seja por que está me dando uma vontade tremenda de dar uma batidinha no pára-choque do carro desta mulher que acaba de passar a minha frente.
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